Do Arraial do Bonsucesso a Balneário Camboriú: mais de 50 anos de história / Mariana Schlickmann
Esta obra conta um pouco da história de Balneário Camboriú, de um período anterior a sua emancipação, em 1964, até os dias atuais. Apesar de ter 55 anos, o município possui uma trajetória muito mais antiga, que este livro busca apresentar. Aqui, diversos temas são pontuados, utilizando uma variedade de fontes, interpretadas através de método historiográfico. Ao/a leitor/a, está feito o convite para conhecer um pouco da história da cidade.
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Nasce uma nova cidade no litoral norte de Santa Catarina:
A história de Balneário Camboriú é mais antiga do que a maioria das pessoas imagina, uma vez que possui cerca de quatro mil anos. A maior parte desses milhares de anos ainda é um mistério para os historiadores, arqueólogos, antropólogos e pesquisados em geral.
A única certeza é que quando os primeiros homens brancos e de origem portuguesa chegaram aqui, estas terras já eram habitadas. Portanto, não foram descobertas, somente repovoada. Sabemos que aqui foi o lar de homens do sambaqui, como comprovam os 165 sepultamentos encontrados no sítio arqueológico escavado pelo Padre João Alfredo Rohr e sua equipe na década de 1970, na praia de Laranjeiras. Também há indícios de Tupi-Guaranis, Carijós e Kaingangs na região, pois tiveram uma presença marcante em todo o Vale do Itajaí, além dos Xokleng no Alto Vale. Usamos o verbo “ter” no passado, pois suas populações foram reduzidas drasticamente a partir do século XIX, devido aos embates com os europeus que para cá migraram, pelas políticas de branqueamento impostas pelo Estado e pela contração de doenças. Apesar da invisibilidade, essas populações ainda existem, resistem e lutam pela sobrevivência.
A presença dessas populações na região é tão latente, que começa pelo nome da cidade e também os das cidades vizinhas (Itapema e Itajaí), todos com origem indígena. Lino João Dell’Antonio, no livro “Nomes Indígenas dos Municípios Catarinenses: significados e origem”, traz uma análise detalhada da origem e significado do topônimo. Ele afirma que há diversas interpretações para essa denominação, como rio que camba, em alusão ao rio. Ou seio grande em cima do morro, em alusão ao formato dos morros que cercam a região. Entretanto, para o autor: “Camboriú é termo indígena e significa rio com camboas, em alusão às tapagens que se faziam para capturar peixes nas vazantes das marés.’’ (DELL’ANTONIO, 2009, p. 73).
Teoricamente, o povoamento de origem europeia começou nas redondezas com a distribuição das sesmarias, entre 1822 e 1823 para sete homens que passaram a habitar a área com suas famílias. Seus nomes eram: José Ignácio Borges, Balthazar Pinto Corrêa, Bernardo Dias da Costa, Manoel Oliveira Gomes, Aurélio Coelho da Rocha, Felix José da Silva e Victorino José Tavares.
De acordo com o relatório do Presidente da Província, João José Coutinho, sobre a população da Província de Santa Catarina, em 1855, os dados sobre “Cambriú”, na Freguesia de Porto Bello eram os seguintes:
-Livres brasileiros homens: 838
-Livres brasileiros mulheres: 889
-Livres estrangeiros homens: 11
-Livres estrangeiros mulheres: 1
-Escravos homens: 130
-Escravos mulheres: 95
Observando estes números podemos fazer uma análise crítica ao documento e pontuar que, apesar de a historiografia tradicional dar todo o crédito do sucesso das sesmarias para os sete primeiros homens, eles não prosperaram sozinhos. Ao considerar a quantidade de mulheres brancas, que eram maioria, e também o número de pessoas escravizadas, fica evidente a sua participação no processo de desenvolvimento da sociedade local, tanto como força trabalhadora, quanto como agentes que contribuíram para a formação da cultura e identidade local.
Ao longo do século XIX, o Arraial do Bonsucesso, como era chamado, cresceu e virou uma Freguesia, em 26 de abril de 1849. Décadas depois, tornou-se o município de Camboriú, no dia 15 de janeiro de 1895.
A Igreja Católica Apostólica Romana é que tem uma presença mais antiga na cidade. O consenso popular afirma que a capela foi inaugurada em 1758. Entretanto, as fontes não comprovam sua existência neste período. A primeira documentação sobre ela aparece somente no século seguinte, mais especificamente na Lei Provincial de 28 de março 1840, que autorizava sua construção ao afirmar que: “Fica authorizado o Presidente da Província para permitir aos moradores das margens do Rio Camboriú, no Distrito da Freguezia de Porto Bello, a construção de huma Capella Filial com a invocação da Nosa Senhora do Bom Successo, mostrando haverem satisfeito o que pela Constituição do Bispado se exige para semelhantes construções”.
Na primeira metade do século XIX, ela era uma capela filial, pois Camboriú pertencia à Freguesia de Porto Belo. Quando o Arraial de Camboriú se tornou Freguesia, em 1849, ela foi promovida a Igreja Matriz do Bom Sucesso. Camboriú tornou-se município em 5 de abril de 1884, com sede na Barra, porém, com o crescimento da população na chamada Vila dos Garcias, a sede municipal foi transferida para lá, em 1890. Alguns anos depois, a igreja Matriz também mudou para este mesmo local. Neste momento, ela retornou à condição de capela e, na documentação oficial, era chamada de Antiga Matriz, Capela da Barra ou de Capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso.
A capela está envolta em mitos populares e polêmicas, difundidos pela oralidade ao longo do tempo. Um destes mitos é que foi usado óleo de baleia no reboco das paredes da igreja. Essa informação amplamente divulgada e que faz parte do imaginário popular, não é comprovada pelo relatório da análise de amostra de reboco, realizada pelo Laboratório de Materiais do Ateliê de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Fundação Catarinense de Cultura. Outro mito que faz parte do imaginário popular é sobre a rachadura que se encontra no sino da capela, a qual teria acontecido por ocasião da abolição da escravatura. Supostamente, quando os escravos souberam da assinatura da Lei Áurea, teriam soado o sino ininterruptamente até ele rachar. Segundo estudos realizados o tipo de rachadura corresponde à provocada por queda. O sino ficava localizado em uma torre exterior, e as cordas que o prendiam ficavam expostas às intempéries, sujeitas à deterioração e ao rompimento.
Ainda hoje, há controvérsias sobre o nome da capela, se é de Santo Amaro ou do Bom Sucesso. No relatório da Paróquia do Divino Espírito Santo e Cristo Rei, de Camboriú, em 1966, ela ainda era chamada de Bom Sucesso. Entretanto, Balneário Camboriú já havia se emancipado em 1964, e o processo de desmembramento da igreja estava em andamento. Em 1967, Balneário Camboriú ganhou sua própria Paróquia, a Santa Inês, e a capela da Barra passou para sua tutela, rebatizada com novo nome, Santo Amaro, como o documento ao lado ratifica.
A Capela de Santo Amaro é tombada nos níveis municipal e estadual, sob os Decretos nº 1.977, de 11 de agosto de 1989, e nº 2.992, de 25 de junho de 1998, respectivamente.
Com o desenvolvimento da Praia de Camboriú e o aumento no número de católicos no local, em 1957 foi construída a Capela Santa Inês no centro da cidade, ligada à Paróquia do Divino Espírito Santo, de Camboriú. Em 1967, ela se tornou Paróquia e, em seguida, iniciaram-se as obras para a construção de uma nova igreja.
Em 1918, foi inaugurada a primeira escola do Canto da Praia, que depois se tornou a escola Laureano Pacheco. Laureano é considerado o primeiro professor da região, fundador da primeira escola particular da Barra, só para meninos, em 1850. Em 1926, a Escola da Barra já fornecia educação básica também para meninas.
Por volta da década de 1920, a então Praia de Camboriú era um reduto de pescadores. Na praia havia pouquíssimos moradores e o local mais habitado e desenvolvido era o Bairro da Barra. A agricultura era de subsistência, e a pesca artesanal a principal matriz econômica. Por isso, em 1927, foi fundada a Colônia de Pescadores Z7, uma das primeiras da região.
A partir nos anos 1920, moradores de cidades vizinhas como Itajaí e Blumenau, principalmente de origem alemã, começaram a frequentar a praia com assiduidade, o que demandou a construção dos primeiros hotéis.
Inaugurado em 1928 pelo proprietário Jacob Schmitt, o Strand Hotel, ou “Hotel do Jacó”, foi a primeira hospedaria da Praia de Camboriú e estava localizado na Avenida Atlântica esquina com a Avenida Central. Em 1934, foi construído um novo empreendimento hoteleiro neste mesmo local, o Hotel Miramar, que está em funcionamento até hoje, porém com uma arquitetura contemporânea.
Neste mesmo ano, também foi inaugurada a primeira construção de alvenaria da cidade, o Balneário Hotel, situado na Avenida Atlântica esquina com a Rua 1800, o qual foi demolido em 1997. Aos poucos, a rede hoteleira foi aumentando com o Hotel Silva, de Bruno Silva; a Pensão Alice, de Alice Schreep; o Praia Hotel, de Inêz Schmidt Hartig; o Hotel, Sorveteria e Restaurante Benthien, de Paulo Benthien, entre outros.
Pelos sobrenomes destes empreendedores pioneiros podemos perceber que são de origem germânica em sua maioria. Com o fim da guerra, as famílias moradoras do vale do rio Itajaí voltaram a frequentar o litoral e os veranistas retomaram o hábito de passar o verão na Praia de Camboriú.
Aos poucos, a infraestrutura local foi melhorando. A primeira farmácia foi inaugurada por Olávio Mafra Cardoso em 1952 e foi, por muito tempo, além das parteiras e benzedeiras, a única opção para o tratamento de doentes na praia. Em 1956, o Restaurante Marilus, que se tornou um dos mais famosos da região, abriu suas portas. E foi nas suas dependências que ocorreu a cerimônia de criação do município de Balneário Camboriú, em 1964.
Em 1957, Adolfo Fischer lançou o primeiro hotel considerado de luxo, o Hotel Fischer. Foi o primeiro de Balneário Camboriú a ter banheiro em todos os quartos, e essa infraestrutura era única em todo o litoral catarinense. Ao longo de sua história, recebeu hóspedes de renome e importância internacional, como o ex-presidente da República João Goulart (1919-1976), que costumava frequentar o hotel até construir sua casa de veraneio onde hoje está o restaurante Lago da Sereia (Avenida Atlântica, esquina com a Rua 4600).
Formação Administrativa
No final da década de 1950, a Praia de Camboriú já era mais desenvolvida que o município em si e os ventos separatistas sopravam com força. Em 18 de fevereiro de 1959, foi aprovado o projeto proposto no ano anterior pelo vereador Gilberto Américo Meirinho, que criou o distrito da Praia de Camboriú. O proprietário da farmácia Central, o senhor Olávio Mafra Cardoso, foi nomeado intendente do distrito.
Em 1961, a Praia elegeu três dos sete vereadores de Camboriú: Aldo Novaes, Urbano Mafra Vieira e José Linhares. Foi Aldo Novaes quem apresentou o projeto de emancipação, em fevereiro de 1964. Camboriú não queria perder sua principal fonte econômica, vinculada aos serviços do turismo, mas também não queria transferir a sede do município para a praia. Após muita negociação e várias votações, os vereadores da Praia de Camboriú conseguiram mais dois votos e o projeto foi aprovado. Assim, em 20 de julho de 1964, nascia a nova cidade: Balneário de Camboriú.
Em 1965, Balneário de Camboriú elegeu seu primeiro prefeito, Higino João Pio, pelo PSD. Ele é lembrado até hoje como uma pessoa simples, muito carismática e enérgica. Sua morte gerou um trauma coletivo e deixou uma profunda cicatriz na memória da cidade.
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Fonte: Do Arraial do Bonsucesso a Balneário Camboriú: mais de 50 anos de história / Mariana Schlickmann.