O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) ingressou com uma ação civil pública com pedido liminar para suspender imediatamente a condução forçada, pela Guarda Municipal Armada, de pessoas em situação de rua ao serviço denominado “Clínica Social”. A ação também busca adequar e estruturar os serviços de abordagem social vinculados à Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Inclusão Social.
A ação com o pedido liminar é de autoria da 6ª Promotoria de Justiça da Comarca de Balneário Camboriú e foi ajuizada após a apuração, em procedimento administrativo, de notícias dando conta da condução forçada de pessoa situação de rua para a cidade de origem e da abordagem de pessoas em situação de rua pela Guarda Municipal Armada e condução à força – inclusive com uso de algemas – para “acolhimento” e avaliação no período noturno/madrugada na chamada “Clínica Social”.
De acordo com o Promotor de Justiça Alvaro Pereira Oliveira Melo, foi verificado que a política de contenção forçada de pessoas em situação de vulnerabilidade (rua), extrapola o que prescreve a Lei e a Constituição da República, com o uso de agentes armados, em concepção preconceituosa, voltada exclusivamente às pessoas em situação de miserabilidade absoluta – “indesejados sociais”.
A ação destaca que a Secretária Municipal de Desenvolvimento e Inclusão Social e o Secretário de Segurança Pública do Município em entrevistas concedidas à mídia local demonstram que o foco não é o acolhimento noturno para higiene, saúde clínica, alimentação e encaminhamentos, mas para tratamento de drogadição, ainda que não haja concordância dos usuários.
O Promotor de Justiça questiona, ainda, o funcionamento da Clínica Social em horário totalmente inapropriado, em que os demais equipamentos não estão disponíveis para eventuais encaminhamentos e continuidade de acompanhamentos. “Os usuários são conduzidos coercitivamente permanecendo presos, durante a madrugada, sob a custódia armada de agentes públicos, na nítida tentativa de promoção de uma espécie de limpeza social”, avalia.
Para o Ministério Público o Município deve implementar e fomentar essas políticas através de uma abordagem técnica, envolvendo médicos psiquiatras e servidores qualificados. “Ao mesmo tempo em que o Município de Balneário Camboriú cria uma espécie de política pública paralela, os instrumentos oficiais de atendimento e atenção à saúde mental direcionado não só às pessoas em situação de rua, mas a todos os munícipes – Ambulatório Psicossocial, CAPS AD e CAPS II – estão sucateados e sem estrutura mínima para a devida prestação eficiente do serviço público essencial”, informa.
Assim, sustenta, a Guarda Municipal deve se restringir às atribuições intrínsecas da atividade, como por exemplo em caso de flagrante delito e abordagens de rotina para mera verificação de eventual existência de mandados de prisão em aberto, quando da existência de indicativos para tanto, ou até mesmo para garantia da segurança dos servidores sem que haja interferência no atendimento, e não para abordagem social e condução coercitiva.
Pedidos liminares
Diante do quadro encontrado, o Ministério Público requer na ação:
- A proibição do uso da Guarda Municipal Armada para realização de abordagens sociais às pessoas em situação de rua, devendo eventual atuação se restringir às atividades inerentes à segurança pública, em especial para segurança dos servidores, sem intervenção direta no atendimento, e nos casos de flagrante delito;
- A proibição de conduzir coercitivamente pessoas em situação de rua para o espaço denominado “Clínica Social”, bem como para qualquer outra localidade (outros municípios), tudo sob pena de responsabilização pessoal dos agentes envolvidos;
- A imediata adequação do serviço de abordagem social prestado pela Secretaria de Desenvolvimento e Inclusão Social, por meio da capacitação dos servidores, correção das situações de desvio de função, e estruturação das equipes nos termos da legislação vigente, a fim de que seja observado o número mínimo de agentes e a formação mínima necessária;
- A obrigação de observar os direitos fundamentais das pessoas em situação de rua, em especial à autonomia de vontade e liberdade de ir e vir,
- A imediata desativação do espaço denominado “Clínica Social”, e a redistribuição dos atendimentos ali prestados aos equipamentos públicos intersetoriais já existentes (Casa de Passagem do Migrante, CAPS II e CAPS AD, Unidades de Saúde, CRAS e CREAS), nos termos das políticas públicas nacionais de assistência social e saúde.
Os pedidos do Ministério Público ainda não foram avaliados pelo Poder Judiciário.
Tratamento diferenciado
Para o Promotor de Justiça, o fato de determinados usuários estarem em situação de rua não dá o direito ao Poder Executivo de os forçar a permanecer ou deixar determinado local quando não há qualquer justificativa legal para tanto, como, por exemplo, os casos em que é verificada a prática de crime e/ou ofensa à ordem pública.
A mera situação de rua não serve, igualmente, como indicativo do uso e dependência química de entorpecentes que justifique qualquer medida compulsória, sem o devido acompanhamento ambulatorial com o esgotamento da instância, e sem qualquer embasamento prévio que não apenas o estigma social.
Para o Promotor de Justiça, a estratégia de limpeza social delineada, divulgada, e amplificada pela “instagramabilidade” do estilo de vida ostentado em Balneário Camboriú, é reforçada pelo fato de que o Município está de portas abertas para todo o Brasil, quiçá o mundo, menos para determinados grupos que possam manchar o cartão postal da cidade.
Para exemplificar, o Promotor de Justiça questiona a ausência de ações de segurança destinadas às pessoas abastadas financeiramente, enfrentando com o mesmo afinco o problema das drogas e álcool entre o público jovem aquinhoado, obrigando-os a prestar informações de suas intenções na cidade, ouvir “palestras” sobre a prática de crimes pela Guarda Municipal, como a combinação de direção e álcool, violência, inclusive doméstica, homicídios e desacato.
“A ‘política pública’, nitidamente higienista, só não é um escândalo de proporções nacionais porque, infelizmente, a população, em sua grande maioria, ignora o fato de que os considerados ‘miseráveis’, que vivem nas ruas, também são sujeitos de direitos e como tais devem ser tratados. Pensamentos de desumanização e políticas inadequadas nesse sentido levam à verdadeiras desgraças, e a história assim nos mostra”, finaliza.
Fonte: Coordenadoria de Comunicação Social do MPSC